A Revisão da Vida Inteira e o recente julgamento do Tema 1.102 pelo Supremo Tribunal Federal

“(…) a inclusão dos salários de contribuição anteriores a julho de 1994 não implicará, necessariamente, em obtenção de um valor de benefício maior” – afirma o advogado especialista

A Emenda Constitucional nº. 20/1998 e a Lei nº. 9.876/1999 representaram a grande Reforma da Previdência Social no ano de 1999. Assim, estas medidas normativas alteraram, além das regras para a concessão das Aposentadorias Programáveis e de outros benefícios previdenciários, a sistemática de cálculos do Salário de Benefício.

No regramento anterior, o Salário de Benefício era calculado com base na média aritmética simples dos últimos 36 Salários de Contribuição. Com as alterações, a sistemática de cálculo passou a ser com base na média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição, de toda a vida contributiva, na atual redação do artigo 29, da Lei nº. 8.213/1991.

Além disso, para as Aposentadorias por Tempo de Contribuição, para a apuração da Renda Mensal Inicial era obrigatória a incidência do Fator Previdenciário que passou a ser previsto também com a Reforma Previdenciária de 1999.

Como toda Reforma Previdenciária, relevante a previsão de regras de transição, para os segurados que já estavam filiados ao sistema antes das alterações estruturais dos requisitos legais para concessão de benefícios, bem como da sistemática de cálculos, a fim de não configurar o denominado retrocesso social, com prejuízos a direitos sociais. E neste contexto, o legislador editou o artigo 3º, §2º, da Lei nº. 9.876/1999, prevendo a regra de transição, e estabelecendo que o cálculo do Salário de Benefício, para os segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até 26/11/1999, será realizado pela média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994, ressalvado o mínimo divisor e a incidência do Fator Previdenciário.

Trata-se, assim, de regra de transição, ou seja, de uma opção do segurado em realizar o cálculo desta forma. No entanto, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS utiliza somente esta regra no cálculo das Aposentadorias, gerando prejuízos aos segurados que possuíam melhores contribuições sociais antes da competência de julho de 1994.

Diante da limitação do período contributivo a partir de julho de 1994 para constituição do Período Básico de Cálculo (PBC), passou-se a discutir judicialmente a tese da aplicação da regra permanente para os segurados que obtivessem melhor valor de benefício com a aplicação da regra permanente do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº. 8.213/1991, incluindo, no referido cálculo, todos os salários de contribuição, anteriores e posteriores a julho de 1994.

Nesse sentido, em 11/12/2019, o Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), se posicionou, favoravelmente, à tese da Revisão da Vida Inteira, com a definição do Tema 999, no regime de Recursos Especiais Repetitivos (REsp 1554596/SC e REsp 1596203/PR), com a seguinte tese:

“Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999” (STJ, Primeira Seção).

Recentemente, após interposição de Recurso Extraordinário pela Autarquia Previdenciária no Tema 999/STJ, foi incluído o Tema 1.102, no Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), com o reconhecimento da Repercussão Geral da Matéria no leading case RE 1.276.977, o qual, em 25/02/2022, por maioria de votos (6X5), se posicionou favorável aos aposentados e à tese revisional do PBC Total, conforme declarou o Ministro Alexandre de Moraes em seu voto:

“Com efeito, as cifras acima impressionam. Todavia, deve se atentar que a tese do STJ somente irá beneficiar aqueles segurados que foram prejudicados no cálculo da renda mensal inicial do benefício, pela aplicação da regra transitória do art. 3º da Lei 9.876/1999, na hipótese de terem recolhido mais e maiores contribuições no período anterior a julho de 1994. Ou seja, a regra definitiva é benéfica para aqueles que ingressaram no sistema antes de 1994, e que recebiam salários mais altos em momentos mais distantes em comparação com os salários percebidos nos anos que antecederam a aposentadoria, pois naquele primeiro período vertiam contribuições maiores para o INSS. Assim, as contribuições mais longínquas, quando computados no cálculo da aposentadoria, resultam em um benefício melhor. Para o segmento da população com mais escolaridade, a lógica se inverte, pois estes começam recebendo salários menores que vão aumentando ao longo da vida. Portanto, para esses, a revisão da aposentadoria não se apresenta como uma escolha favorável. Como se vê, negar a opção pela regra definitiva, tornando a norma transitória obrigatória aos que ser filiaram ao RGPS antes de 1999, além de desconsiderar todo o histórico contributivo do segurado em detrimento deste, causa-lhe prejuízo em frontal colisão com o sentido da norma transitória, que é justamente a preservação do valor dos benefícios previdenciários. Com esse entendimento não se está criando benefício ou vantagens previdenciárias, haja vista que o pedido inicial é para serem consideradas as contribuições previdenciárias efetivamente recolhidas em momento anterior a julho de 1994. Assim, a luz da jurisprudência desta CORTE que determina que (i) aplicam-se as normas vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para inatividade para o cálculo da renda mensal inicial; e que (ii) deve-se observar o quadro mais favorável ao beneficiário; conclui-se que: o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26/11/1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável”.

Verifica-se, assim, a possibilidade de se pleitear, perante Poder Judiciário, a denominada Revisão da Vida Inteira ou do Período Básico de Cálculo Total, sendo que para tanto, relevante a realização de cálculos previdenciários para aplicação da sistemática de cálculo que for mais vantajosa, sendo recomendável a busca por profissional especialista na área do Direito Previdenciário, o qual fará a análise contributiva completa dos salários de contribuição e apuração do valor do benefício, conforme a regra que for mais benéfica.

Cumpre ressaltar que a inclusão dos salários de contribuição anteriores a julho de 1994 não implicará, necessariamente, em obtenção de um valor de benefício maior, e por vezes, pode reduzir o seu valor, devendo o profissional ter cautelas nas realizações dos cálculos previdenciários necessários.

Ainda, cumpre mencionar que o direito a Revisão da Vida Inteira aplica-se aos benefícios concedidos após a edição da Lei nº. 9.876/1999 (26/11/1999) e anteriores à Reforma Previdenciária, instituída pela Emenda Constitucional nº. 103 de 13/11/2019.

Assevera-se, por fim, a aplicabilidade do prazo decadencial do artigo 103, da Lei nº. 8.213/1991, sendo de 10 (dez) anos, contados da data da primeira prestação do benefício, o prazo para pleitear a aludida revisão, bem como outras teses revisionais.

Portanto, a finalização do Colendo Supremo Tribunal Federal, no dia 25/02/2022, no Tema 1.102, constituiu um importante fato para o Direito Previdenciário, e ainda que o acórdão não tenha sido publicado ou certificado o trânsito em julgado, os processos judiciais poderão sofrer o levantamento do sobrestamento por alguns julgadores das instâncias ordinárias, sendo relevante, estar atento a eventuais efeitos moduladores a serem definidos por outras vias recursais por parte da Autarquia Previdenciária.

Bruno Ferreira Silva – Advogado especialista em Direito Previdenciário

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