Curto intervalo entre acordo e acidente e falta de ciência dos danos totais permitem ação para complementar indenização
O desconhecimento da vítima sobre a extensão dos prejuízos provocados por acidente de trânsito – especialmente em razão da proximidade entre a data do fato e o acordo celebrado com o causador do dano – permite afastar a regra segundo a qual a quitação plena impede o ajuizamento de ação para ampliar o valor da indenização.
O entendimento foi firmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao rejeitar recurso de uma empresa de transportes coletivos que alegava a impossibilidade da ação de complementação em virtude do acordo extrajudicial celebrado entre as partes, no qual a vítima do acidente deu ampla e irrevogável quitação dos danos sofridos.
Na ação, a autora afirmou que estava em ônibus de propriedade da empresa quando houve uma colisão. Por causa do impacto, a passageira bateu o rosto no banco da frente e sofreu cortes na boca e graves problemas dentários. Em contestação, a empresa informou que a autora foi indenizada em R$ 1 mil logo após o acidente e deu quitação integral, motivo pelo qual não poderia haver nova cobrança relativa ao mesmo fato.
Situação excepcional
Nas instâncias ordinárias, a empresa foi condenada a pagar R$ 12 mil pelo tratamento odontológico, descontando-se o valor recebido do seguro DPVAT, e cerca de R$ 14 mil por danos morais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que, nas circunstâncias do caso, o acordo não impedia a ação judicial, devendo apenas haver o abatimento do valor já recebido.
A relatora do recurso especial da empresa, ministra Isabel Gallotti, afirmou que, para a jurisprudência do STJ, apenas situações excepcionais justificam afastar a plena validade do ato de quitação.
No caso dos autos, segundo a ministra, o TJRS concluiu que, em virtude do curto prazo entre a data do acidente (20 de abril de 2015) e a assinatura do acordo (8 de maio de 2015), a passageira ainda não tinha consciência do real prejuízo que sofreria, especialmente por causa do amplo tratamento dentário a que precisou se submeter posteriormente.
“Entendo, portanto, ter-se configurado excepcionalidade que autoriza a pretensão de recebimento das diferenças devidas, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”, concluiu a ministra ao manter a decisão do TJRS.
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1833847
STJ 18.06.2020